segunda-feira, 20 de julho de 2009

Crítica e crítica


Há, sem dúvida, uma grande dose de veneração pela palavra crítica no interior da universidade brasileira. Adota-se a palavra, tomada como palavra de ordem, e abstrai-se o seu conteúdo. Na verdade, importa saber sobre quais bases se constrói a crítica. Evidentemente, tudo pode ser criticado e tudo é criticável, porque para cada coisa há “n” possibilidades de pontos de vista. Pode-se criticar a saia curta de uma mulher por uma razão estética, por uma razão meteorológica, digamos (não combinar com um dia particularmente frio), por uma razão de etiqueta (a solenidade da ocasião não comporta o tipo de traje) ou por uma razão sexo-moral (não é certo uma mulher mostrar o corpo de tal modo). Pode-se criticar a conduta de um deputado de um partido de oposição apenas porque não lhe devotamos nenhuma simpatia, vez que não é meu correligionário, ou seja, critica-se por uma razão político-partidária. Em síntese, posso fazer qualquer crítica sem que ela seja necessariamente verdadeira ou justa. O fato de ser uma crítica não é suficiente para lhe dar status de verdade. E é isso que parece acontecer hoje em alguns setores da universidade: por mais paradoxal que seja, quem bate e rebate no termo crítica perdeu de fato o senso crítico, porque sacralizou a crítica, desenvolveu, por assim dizer, uma visão religiosa da crítica. Adora-se a crítica, estimula-se a crítica a tudo, sem que se imagine que a crítica, também ela, precisa ser submetida a um filtro crítico.
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E esse filtro crítico é dado pelo sentido popperiano do termo. Em Popper, crítica significa escolha consciente entre proposições falsas e verdadeiras. É julgamento de uma teoria em relação a outra, no que tange à superioridade ou inferioridade. Portanto, pressupõe recurso à lógica, a distinção mais humana, o patamar mais elevado da comunicação humana.
Usa-se na universidade, sobretudo nos projetos pedagógicos dos cursos, o adjetivo “crítico” (conhecimento crítico, educação crítica, formação crítica) num sentido puramente ideológico, excessivamente politizado e não popperiano. No sentido banal de hoje, conhecimento crítico é aquele que, por princípio, recusa o capitalismo, a sociedade industrial urbana, o Estado liberal e uma infinidade de situações sociais de menor amplitude e relacionadas a esse fenômenos.
Já vivi situações, como professor de Sociologia, em que um aluno vem reclamar de uma nota baixa na avaliação, sob a seguinte argumentação: “Só isso, professor? O senhor corrigiu com atenção minha prova? Viu o que eu escrevi? Eu meti o pau no governo!” Triste compreensão do que é a Sociologia.
O sentido de crítica dado pelo estudante é o do senso comum: criticar alguém, “meter o cacete”, malhar. Sentido popperiano: criticar proposições com o objetivo de estabelecer a verdade. Teoria do conhecimento, e não militância política.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Arte de se Convencer, de Raymond Boudon

Apesar de ter tomado a “vacina dos velhos”, gripei. Fiquei um dia acamado, longe do trabalho. Visto por um certo ângulo, bendito dia! - avancei três capítulos na leitura do livro L'art de se persuader – des idées douteuses, fragiles ou fausses, de Raymond Boudon (A arte de se convencer – idéias duvidosas, frágeis ou falsas). Que eu saiba, não há tradução no Brasil. Boudon, pela sua importância como metodólogo das ciências sociais e pela sua interpretação fina e aguçada dos clássicos da Sociologia, é muito pouco conhecido na universidade brasileira. Pouquissimamente reverenciado entre nós. Lamentável. Francês, Boudon não é cativo da sociologia francesa, embora seja hoje, entre os vivos, talvez o maior intérprete de Durkheim e de Alexis de Tocqueville. Ele conhece com enorme profundidade, de leituras no original, a sociologia alemã e a americana (dá aulas na Alemanha e nos Estados Unidos), além da italiana, através de sua original leitura de Pareto. E, fato raríssimo entre sociólogos, possui grande cultura matemática. Num tempo de intenso culto ao irracionalismo, cultivado nos nossos cursos de pós-graduação, certamente Boudon é um estranho no ninho.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sociologia da Cultura

Há perguntas cruciais para a Sociologia da Cultura. Por exemplo: por que o Rio Grande do Norte nunca produziu, com a profusão do Ceará, da Paraíba e de Pernambuco, numa listagem breve, artistas de envergadura nacional? Ou a seguinte: por que a música popular cearense dos anos 1970 tem uma qualidade infinitamente superior à que se produz hoje no estado? O fato de serem cruciais não significa que são irrespondíveis. Significa apenas que a resposta demanda mais trabalho. E que por isso não cabe na extensão de um micro-artigo. (O que, em última análise, é uma boa desculpa para escapar delas).

Opiniões que ninguém pediu

Bíblia
Pode-se ler a Bíblia de várias maneiras. Pode-se lê-la com os olhos da fé, com os olhos da moral, com os olhos da história, com os olhos da estética. O que não se pode, se se pretende ser uma pessoa culta, é deixar de lê-la.

Tecnologia
A tecnologia, por si só, não é civilizadora. Para espíritos sem formação suficiente para compreendê-la, ela não se distingue da magia.

Computador
Um computador, mesmo que se trabalhe nele oito horas por dia, não transforma um ignorante em sábio. Um livro, sim. Oito horas diárias em contato com um livro revolucionam o indivíduo, reinventam-no.