Há, sem dúvida, uma grande dose de veneração pela palavra crítica no interior da universidade brasileira. Adota-se a palavra, tomada como palavra de ordem, e abstrai-se o seu conteúdo. Na verdade, importa saber sobre quais bases se constrói a crítica. Evidentemente, tudo pode ser criticado e tudo é criticável, porque para cada coisa há “n” possibilidades de pontos de vista. Pode-se criticar a saia curta de uma mulher por uma razão estética, por uma razão meteorológica, digamos (não combinar com um dia particularmente frio), por uma razão de etiqueta (a solenidade da ocasião não comporta o tipo de traje) ou por uma razão sexo-moral (não é certo uma mulher mostrar o corpo de tal modo). Pode-se criticar a conduta de um deputado de um partido de oposição apenas porque não lhe devotamos nenhuma simpatia, vez que não é meu correligionário, ou seja, critica-se por uma razão político-partidária. Em síntese, posso fazer qualquer crítica sem que ela seja necessariamente verdadeira ou justa. O fato de ser uma crítica não é suficiente para lhe dar status de verdade. E é isso que parece acontecer hoje em alguns setores da universidade: por mais paradoxal que seja, quem bate e rebate no termo crítica perdeu de fato o senso crítico, porque sacralizou a crítica, desenvolveu, por assim dizer, uma visão religiosa da crítica. Adora-se a crítica, estimula-se a crítica a tudo, sem que se imagine que a crítica, também ela, precisa ser submetida a um filtro crítico.
* * * * *
E esse filtro crítico é dado pelo sentido popperiano do termo. Em Popper, crítica significa escolha consciente entre proposições falsas e verdadeiras. É julgamento de uma teoria em relação a outra, no que tange à superioridade ou inferioridade. Portanto, pressupõe recurso à lógica, a distinção mais humana, o patamar mais elevado da comunicação humana.
Usa-se na universidade, sobretudo nos projetos pedagógicos dos cursos, o adjetivo “crítico” (conhecimento crítico, educação crítica, formação crítica) num sentido puramente ideológico, excessivamente politizado e não popperiano. No sentido banal de hoje, conhecimento crítico é aquele que, por princípio, recusa o capitalismo, a sociedade industrial urbana, o Estado liberal e uma infinidade de situações sociais de menor amplitude e relacionadas a esse fenômenos.
Já vivi situações, como professor de Sociologia, em que um aluno vem reclamar de uma nota baixa na avaliação, sob a seguinte argumentação: “Só isso, professor? O senhor corrigiu com atenção minha prova? Viu o que eu escrevi? Eu meti o pau no governo!” Triste compreensão do que é a Sociologia.
O sentido de crítica dado pelo estudante é o do senso comum: criticar alguém, “meter o cacete”, malhar. Sentido popperiano: criticar proposições com o objetivo de estabelecer a verdade. Teoria do conhecimento, e não militância política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário