domingo, 15 de fevereiro de 2009

Para onde deve ir nossa capacitação docente?


(Artigo publicado no Informativo UERN de dezembro de 2005, p. 12)

Aécio Cândido e Carlos Ruiz

O ano de 1992 é emblemático para a capacitação docente da UERN. A partir dele, a política da área começou a adquirir um tom mais ousado, o que, junto à contratação por concurso público de professores titulados, deu como resultado uma substancial melhoria no perfil do nosso corpo docente. Em 1995 tínhamos apenas um doutor, hoje temos 66. Isso por si só já é um resultado positivo. Em um pouco mais de 10 anos, a instituição conseguiu instalar um certo potencial de competência para lidar com o saber, entidade privilegiada em torno da qual se desenvolve a vida universitária. Esse potencial, porém, não está se concretizando na atividade certificadora da excelência institucional - a pós-graduação stricto sensu. Temos doutores, 66 deles, e não conseguimos criar, de imediato, nenhum curso de mestrado. Em condições diferentes, com 10 doutores da casa e 3 ou 4 convidados pode-se criar um bom mestrado. E por que não criamos?
Se situações semelhantes podem nos servir de consolo, lembremos então, para citar apenas dois exemplos, que a Universidade Estadual de Goiás tem mais de 100 doutores e apenas 2 mestrados próprios; a da Paraíba, com o mesmo nível de capacitação, só agora aprovou um curso. Estamos todos no mesmo barco - o que pode aliviar a angústia, mas não livrar do naufrágio.

Até agora, a formação de nossos doutores e mestres aconteceu por geração espontânea. E não poderia ter sido de outra maneira. Faltavam-nos lideranças científicas ou, pelo menos, uma certa massa critica de pesquisadores para conduzir uma política indutiva de capacitação docente capaz de produzir, como resultado, nossa própria pós-graduação stricto sensu. Esta é uma das possíveis conclusões que pode ser tirada à luz da experiência nacional e internacional.

A política de capacitação docente está relacionada à necessidade de se formar quadros para a pesquisa. Ela procura, de modo institucional e universalizante, recriar as condições responsáveis pela formação dos grandes departamentos das universidades e de seus programas de pós-graduação ou o surgimento dos grandes centros de pesquisa no mundo. Estes, em geral, surgiram sob a influência de uma liderança acadêmica, que tomou a si a tarefa de encaminhar jovens para a formação doutoral, partindo de uma meta a médio prazo. Foi assim, por exemplo, com o Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco, que possui hoje o único doutorado nota 7 de todo o Nordeste, isto é, com padrão internacional de excelência. Em torno do prof. Sérgio Rezende, hoje ministro da Ciência e Tecnologia, e sob sua influência, gravitou um grupo de jovens acadêmicos que teve sua formação encaminhada para uma linha de pesquisa bem definida, a física da matéria condensada. Sem contar com lideranças, os departamentos entregaram-se a uma formação caótica, individualizada, que resultou em formações pouco afeitas ao diálogo intelectual e, conseqüentemente, à formação de equipes.

O que fazer agora para que a capacitação docente em nível de doutorado permita criar nossos próprios programas de pó-graduação stricto sensu?

Do corpo docente de um programa de pós-graduação exige-se competência para orientar uma dissertação ou uma tese. E essa competência deve ser comprovada por uma robusta e relevante produção científica em uma determinada área do saber. Quem orienta, vale a trivialidade, deve ser um profundo conhecedor do que orienta, e a orientação acontece em um ambiente acadêmico de alta produtividade. Nós já temos pesquisadores que, isoladamente, reúnem as condições para orientar. São colegas que publicam sistematicamente em periódicos importantes da sua área, que participam de bancas examinadoras de programas de pós graduação de outras instituições, etc. Estes demostram, portanto, estar inseridos na sua comunidade científica. Porém, a UERN, através desses professores, não pode ofertar formação em nível de mestrado e de doutorado. A criação da pós-graduação em nosso país se dá no contexto de uma determinada estrutura de poder. Na CAPES, essa estrutura encontra sua expressão mais transparente nos comitês de área, que atuam na avaliação da pós-graduação. São esses comitês que propõem ao Conselho Técnico Científico - CTC - da Agência o credenciamento ou descredenciamento dos programas. A regra é o CTC, reconhecendo a legitimidade do poder acadêmico dos pares, acompanhar o parecer dos comitês de área.

Desse modo, conhecer os critérios de avaliação de cada comitê torna-se uma obrigação para quem pretende criar, por exemplo, um curso de mestrado. Independentemente da diversidade, legítima, de critérios dos comitês de área, um é comum a todos: a competência de orientação deve ter um caráter coletivo e em um campo acadêmico historicamente estabelecido. Assim como os átomos mostram a sua identidade através de seus espectros, os programas de pós-graduação stricto sensu devem mostrar a sua identidade intelectual através do saber que coletivamente produzem.

Tudo isso cria para nós uma nova percepção: é imperativo que a política de capacitação docente comece a direcionar-se para a consolidação de grupos de pesquisa. São nesses grupos que germina a pós-graduação. Nos anos 1960, nos inícios da pós-graduação no Brasil, era comum que a pesquisa nascesse da pós-graduação. Hoje a lógica é diferente: só se admite a criação de cursos de pós-graduação onde se tem à frente grupos de pesquisadores com certa tradição em domínios bem específicos.

A pesquisa exige dedicação, conseqüentemente, o tempo é um elemento essencial para que se possa realizá-la. Na verdade, talvez o tempo seja menos à pesquisa do que à sua divulgação. Mesmo sem tempo, ou com muito pouco tempo, conseguimos fazer pesquisa de campo nos finais de semana ou acompanhar alguns experimentos em laboratório entre uma aula e outra. O problema é transformar em artigos os dados obtidos. A redação de um artigo é uma atividade mais tirânica, exige concentração e tranqüilidade, e aí entra a necessidade de tempo disponível. Disponibilidade de tempo é, portanto, uma necessidade real para quem deseja se dedicar à pesquisa, e ele falta na UERN.

A instituição universidade, como esfera da moderna divisão social do trabalho, valeu-se do mecanismo da dedicação exclusiva para garantir tempo disponível para o trabalho intelectual. No Brasil, esta é uma conquista recente e, pra sermos sinceros, bastante desvirtuada. Nos anos 50 do século passado, o prof. José Leite Lopes, fundador do CNPq, e mais outros pioneiros da Física no Brasil, lutavam pela instituição da dedicação exclusiva na universidade, para que os engenheiros pudessem sobreviver exclusivamente como professores de Matemática e de outras ciências afins, e daí pudessem se dedicar, além do ensino, também à pesquisa. Na UERN, a concessão de dedicação exclusiva não resultou na institucionalização da pesquisa. É também um mecanismo que precisa ser revisto, se não pra trás, pelo menos daqui pra frente.

Insistimos na importância do aprendizado coletivo. Por exemplo: a redação de um artigo é um ato solitário, mas ela se nutre, antes e depois, de muita interação com os pares. O amadurecimento de idéias, e mesmo a eficiência do texto, dá-se como resultado do debate entre pares. Nenhum escritor maduro é tão seguro do seu texto que dispense a consulta a leitores qualificados. Entre nós, essa troca entre pares ainda é pouco comum. Uma troca que inclui forçosamente a crítica. É preciso perder o medo da crítica, o medo de se expor. A perda desse medo é condição para o conhecimento. Susceptibilidades à flor da pele é sinal de pouca maturidade e de pouco conhecimento do seu ofício. Quem conhece bem seu ofício sabe das dificuldades que lhe são inerentes, e, na apreciação dos outros, é capaz de reconhecer o que precisa ser incorporado e o que pode ser dispensado.

Em resumo: como fonte originária de uma cultura criativa, necessária à universidade, a capacitação docente precisa tomar novos rumos. É preciso, antes de tudo e a esta altura do campeonato, identificar as áreas mais promissoras e investir nelas, prioritariamente, privilegiadamente. Até hoje adotamos uma isonomia, que, embora a muitos pareça o exemplo mais acabado de democracia, não nos conduziu aos objetivos desejados. É preciso, portanto, adotar o princípio da eqüidade, ao invés do da igualdade. Desse modo, privilegiar a seguinte combinação: a potencialidade do departamento ou grupo interdepartamental e o talento do indivíduo. O primeiro pode ser visualizado pelo projeto acadêmico partilhado e pelo número de pesquisadores aptos a realizarem-no; o segundo pode ser avaliado pela produção intelectual do candidato a doutor. São dois critérios basilares para se mudar o rumo dessa política.

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