(Artigo publicado no Informativo UERN de março 2008, p. 12)
Aécio Cândido
Um livro publicado há um pouco maios de 20 anos pelo filósofo Arthur Giannotti, da USP, mantém uma atualidade preocupante. O livro se chama Universidade em ritmo de barbárie e trata das mazelas da universidade brasileira. Nesse livro, o autor expõe, didaticamente, o conceito de poder acadêmico e a constatação de que, na universidade brasileira, ele é o poder mais débil, esmagado pelo poder burocrático e pelo poder sindical, quando é em função dele que a universidade existe. O motivo de preocupação é que, passados 20 anos, persistem muitas das mazelas que impedem a constituição plena desse poder. No entanto, se ele enfrenta muitas resistências para se constituir, não quer dizer que seja um ausente completo em algumas universidades. Entre nós, na UERN, embora atacado em vários flancos, ele é um poder em franca constituição.
A expressão poder acadêmico pode ser entendida como o resultado de uma dinâmica acadêmica intensa, movimentada, rica - ou qualquer outro adjetivo que dê conta da existência singular de certas atividades, práticas e procedimentos e de seu vínculo especial com a missão da universidade. Essa dinâmica pode ser visualizada no número de conferências promovidas, de debates organizados, de títulos acadêmicos conferidos, de artigos e livros publicados, de bolsas de estudo concedidas, de projetos de pesquisa aprovados, etc.
Na UERN, a expressão poder acadêmico sempre me pareceu um tanto confundida com a própria dinâmica que o engendra. Quando, sobretudo no meio sindical, se fala em poder acadêmico, o que se pensa como correspondente é na profusão de atividades. Pouco se atenta, a meu ver, para o concreto dessa dinâmica, para as relações que ela engendra, para as hierarquias que ela tece e das quais se alimenta. E aí está o poder, um poder derivado do exercício radical da missão da universidade - a produção e a difusão de conhecimentos – e, nesse sentido, o mais legítimo entre os poderes da universidade, como assegura Giannoti. O poder acadêmico não é a dinâmica em si, mas é derivado dela. Como todo poder, ele se traduz em permissões e em interdições (quem pode e quem não pode avaliar uma dissertação, quem pode e quem não pode julgar a qualidade de um projeto de pesquisa, quem pode e quem não pode proferir uma palestra sobre um determinado tema, etc., e em razão disso quem pode se pronunciar sobre certos rumos da universidade).
Aspecto incômodo para algumas pessoas, ele é um poder de matriz meritocrática, isto é, em sua constituição o mérito individual se sobrepõe a qualquer outro determinante. Ao mesmo tempo, é um poder aberto; democrático porque acessível a todos aqueles que se disponham a cumprir com os seus ritos. Concretamente: há poderes que doutores têm que mestres não têm, há outros que apenas doutores com publicações em revistas de impacto nacional podem ter. O pior que pode acontecer neste terreno, e desviar a universidade de sua função social de produtora do conhecimento, é pretender introduzir no âmbito do poder acadêmico a noção de isonomia, porque ele é essencialmente assimétrico: pode mais quem produziu mais e logrou ser reconhecido pela comunidade de pares, ou seja, pode mais quem mais se muniu de capital científico; não pode nada, neste campo, quem não tem esse capital. A isonomia cabe bem na assembléia sindical – aliás, faz parte de sua própria natureza -, mas não cabe nos espaços do poder acadêmico. Mas para que não se alimentem algumas incompreensões: o poder acadêmico não se resume a uma questão de títulos; os títulos que não se traduzem em produção, em produção qualificada, perdem seu poder ou, mais que isto, nem chegam a tê-lo. Aqui não vale o ditado “quem tem fama dorme na cama”. O título, por si só, não dá fama a ninguém; a conquista do prestígio se dá pela produção.
Entre nós, nos últimos15 anos, esse poder foi sonhado, muita gente gastou o tempo lamentando a sua inexistência na UERN, outros desistiram da UERN porque esperaram encontrá-lo pronto, feito por não sei quem, sem compreender que tal poder é construído na aula bem dada, na avaliação bem feita, no programa bem articulado da disciplina, na monografia bem orientada, na pesquisa bem conduzida, na dissertação e na tese bem defendidas, etc. Nesses 15 anos, a UERN mudou, o quadro docente alterou-se profundamente, de modo que uma nova dinâmica acadêmica está em franco e adiantado processo de construção, e com a correspondente construção de um poder acadêmico. Evidências: mais de quarenta docentes da instituição, em razão de sua produção acadêmica e da qualidade dos seus projetos de pesquisa, têm o poder de conceder a estudantes da graduação bolsas de iniciação científica; quinze deles, pelas mesmas razões, gozam do direito a uma bolsa de produtividade em pesquisa e esta distinção os qualifica como consultores para certas demandas na área da pesquisa e da pós-graduação; dezesseis pesquisadores (8 da FANAT, 1 da FE, 2 da FASSO, 3 do campus de Natal, 2 do de Pau dos Ferros e 1 do de Caicó) tiveram aprovados, no final de 2007, seus projetos no Programa Primeiros Projetos do CNPq/Fapern, num total de 210 mil reais, e outros cinco (todos da FANAT) no Edital Universal do CNPq, conseguindo carrear para a instituição algo em torno de 90 mil reais. A aprovação de três mestrados (Física, Ciência da Computação e Letras) insere-se nessa nova dinâmica, onde contam menos as intenções e muito mais os gestos. A consolidação desses mestrados exigem, como condição, a expansão e o enraizamento institucional do poder acadêmico. É o que apontam as novas políticas de capacitação docente, a avaliação do estágio probatório e a regulamentação da avaliação de desempenho para progressão funcional. Mas é preciso mais.
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